A predisposição para cometer fraude académica é maior entre os estudantes que frequentaram escolas privadas antes de entrar no ensino superior, entre aqueles estão num curso que não foi a primeira opção, entre os que pertencem a agregados familiares com maior grau de escolaridade e rendimentos mais elevados. Estas são algumas conclusões de um estudo que está a decorrer no Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra, que envolveu 7292 alunos de licenciatura e mestrado integrado.
Os primeiros resultados serão apresentados em Coimbra, na próxima semana, num colóquio internacional sobre “A ética dos alunos e a tolerância de professores e instituições perante a fraude académica no ensino superior”. E mostrarão que ter uma média de curso mais baixa é outro factor que faz aumentar a predisposição para a fraude académica. Isso e ser do sexo masculino — os homens, mais do que as mulheres, apresentam mais tolerância em relação a actos como copiar, fornecer respostas a um colega no exame, comprar um trabalho ou apresentar o mesmo trabalho em diferentes disciplinas (apenas alguns exemplos de actos considerados fraude).
Em declarações ao PÚBLICO, o investigador do CES responsável pelo projecto, Filipe Almeida, professor da Faculdade de Economia de Coimbra, avançou alguns resultados. Como este: 44% dos alunos admitiram que copiariam num exame, usando “materiais não autorizados”. E 52% admitiram que copiariam por um colega.
Sete em cada dez (73%) disseram que apresentariam o mesmo trabalho em diferentes disciplinas, enquanto 65,3% assumiu que forneceria respostas a um colega no exame.
No entanto, 88% dos alunos declararam que não comprariam trabalho a um colega e 78,5% que não aceitariam beneficiar de nota colectiva sem ter participado no trabalho de grupo. Tudo o que envolve transacções em dinheiro é moralmente mais inaceitável pelos estudantes, conclui Filipe Almeida.
O investigador ressalva que falta ainda analisar os dados do ponto de vista sociológico. Mas não se mostra surpreendido com o facto de serem os estudantes das famílias com maiores posses e nível cultural mais elevado a revelarem uma maior predisposição para a fraude. E porquê? Porque esses alunos “provêm de um ambiente que cria uma pressão maior para o êxito”. Pode nem ser uma “pressão activa” por parte dos pais. O êxito é algo que muitos dos jovens desses meios exigem de si próprios. “E essa pressão pode fazer aumentar a propensão para a fraude”, diz Filipe Almeida que nota que “o nível de desenvolvimento moral nem sempre corresponde ao nível de desenvolvimento económico e cultural”.
Para os jovens, os principais “motivos” para a fraude são, segundo os próprios, “o nível de exigência pedagógica do curso” (a carga horária excessiva, a dificuldade, os métodos de avaliação desadequados...).
Já quanto se lhes pergunta sobre o que pode contribuir para inibir a fraude, “o desenvolvimento de uma relação de proximidade com os professores” é um dos aspectos mais referidos — mais do que proibir os telemóveis nos exames, por exemplo.
A explicação, admite Filipe Almeida, será simples: é mais difícil enganar alguém com quem se tem uma relação afectiva mais próxima. “Talvez alguma coisa não esteja a correr bem, talvez as relações com os professores sejam fracas, as turmas grandes... o ensino despersonalizou-se.”
O estudo, desenvolvido nos últimos três anos, foi aplicado a uma amostra de 7292 alunos de licenciatura ou mestrado integrado, todos de nacionalidade portuguesa e com pelo menos dois anos de matrícula em instituições de ensino superior público e privado, universitárias e politécnicas, nas áreas científicas de Economia e Gestão, Engenharias, Medicina, Enfermagem, Direito, Comportamento Humano, Artes e Ensino. Também envolveu 2727 professores, mas os dados relativos a essa parte não estão ainda disponíveis.
O objectivo era avaliar a atitude e a opinião de alunos e professores, identificar culturas de fraude, padrões de tolerância à fraude, a frequência com que é praticada e os motivos e os inibidores da transgressão — a propósito da frequência com que é praticada, 80,1% dos alunos consideraram que se copia com alguma frequência ou com regularidade (“com regularidade”, é o que dizem 30,2% dos inquiridos).
Os investigadores acreditam que a formação universitária pode desempenhar um papel decisivo na consolidação de um padrão ético exigente — com influência na conduta moral no contexto profissional futuro.
Fonte: publico.pt
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